terça-feira, 15 de junho de 2010

A Ordem dos Cistercienses Reformados de Estrita Observância

Cerveja: La Trappe Quadrupel
Cervejeira: Brouwerij de Koningshoeven, Tilburg, Holanda


Se falarmos da "Ordem dos Cistercienses Reformados de Estrita Observância" a um apreciador de cervejas, o mais provável de acontecer é um encolher de ombros, mas uma referência aos monges trapistas (o nome pela qual a Ordem é vulgarmente conhecida) fará certamente brilhar alguns olhos.

Fundada em 1664, a Ordem acabou por ser conhecida por trapista graças à localização da primeira abadia em Soligny-la-Trappe na Normandia. Para nosso gáudio, os monges trapistas vivem em observância estrita da Regra de S. Bento, um conjunto de regras que desde o Séc. VIII orientam a vivência das comunidades monásticas. Como o capítulo 48 da Regra define que os monges deverão eles próprios garantir a sua subsistência através do trabalho, várias abadias começaram a produzir bens de consumo não só para a comunidade mas também para vender ao público. Para além dos queijos (aconselho vivamente o de Chimay), licores, pães, sabões ou detergentes, a cerveja é um dos produtos produzidos pelos monges e monjas.

A La Trappe é, hoje em dia, a única cerveja trapista fabricada fora da Bélgica. Fundada em 1881 por um monge francês que buscava uma alternativa para o crescente anticlericalismo no país natal, a abadia começou a vender cerveja, para financiar o mosteiro e várias obras de caridade, em 1884.

Das 7 abadias trapistas que actualmente produzem cerveja, Koningshoeven foi sempre a que teve a vertente comercial mais activa, quer na produção (de 1969 a 1980, a cerveja foi fabricada pela Brasserie Artois), quer na comercialização (a exportação de cerveja, por exemplo, começou em 1985).

Este facto, aliado à idade avançada da comunidade, levou a que, em 1999, fosse formada uma empresa responsável pelo fabrico e comercialização da cerveja, em consórcio com uma das grandes holandesas, a Bavaria.

Dada essa aparente contradição com aquilo que a congregação defendia para os seus produtos, a Associação Trapista Internacional, decidiu proibir a utilização do logótipo de produto trapista nas garrafas de La Trappe. Só em 2005, após terem sido dadas garantias de que os monges participariam mais activamente na produção da cerveja, o logótipo pôde voltar a ser usado.

Esta história remete-nos para a reflexão do tradicional vs. industrial. Na vizinha Bélgica, depois de ter recriado um estilo de cerveja em vias de extinção, Pierre Celis, viu-se obrigado, por força de um incêndio que destruiu a sua Brouwerij de Kluis, a vender a marca Hoegaarden à Interbrew (actual InBev). Rapidamente descobriu que a qualidade da cerveja começava a decair e mudou de ares para os Estados Unidos onde recriou novamente a essência das witbiers com a excelente Celis White.

Não é caso único, infelizmente. Se há cerca de 10 anos me perguntassem qual seria o meu top 5 de German Pilsener eu incluiria no lote a excelente Pils da Cervejeira Lusitana sem hesitações. Hoje em dia, longe dos tempos áureos da fábrica de Carnaxide (actualmente um parque de estacionamento…) a Pils é uma cerveja banal.

Casos há em que, aparentemente, a qualidade das cervejas é inalterada. Vamos ver, por exemplo, por quanto tempo se mantém o carácter artesanal das Baden Baden depois da compra pelo Grupo Schincariol. Cabe-nos a nós como consumidores e apreciadores de cerveja estarmos atentos e demonstrar junto dos produtores o nosso desagrado pelas eventuais descidas de qualidade dos seus produtos. Vale o que vale, mas pelo menos ficamos de consciência tranquila.

Editado originalmente em 28/12/2008 em http://www.cervejasdomundo.com/Barbas2.htm  

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